domingo, 11 de abril de 2010

Eu, Bandeira e um certo Amigo.

[...] Estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo. Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-lo, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clantestina que era a felicidade. A felicidade sempre ia ser clantestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com seu amante. [...]

Clarice Lispector. In: "Felicidade Clantestina" - Ed. Racco - Rio de Janeiro, 1998.

2 comentários:

  1. Eu simplesmente AAAAAAAAAAAAAAMOOOOO esse texto da Clarice!!! Obrigada por esse pedacinho de céu! ;o*

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